O Projeto de Lei nº 1.087/2025, atualmente em discussão no Congresso Nacional, representa uma das mais significativas alterações recentes no modelo de tributação da renda no Brasil.
Entre as principais novidades, está a revogação parcial da histórica isenção dos dividendos pagos pelas pessoas jurídicas aos seus sócios pessoas físicas, com a introdução de uma alíquota de 10% de Imposto de Renda Retido na Fonte sobre valores mensais superiores a R$ 50 mil pagos por uma mesma PJ a uma mesma PF.
Sob a lógica redistributiva, a medida aparenta promover maior justiça fiscal, corrigindo uma distorção que há décadas permitia que rendimentos de capital escapassem da progressividade que incide sobre salários e demais rendas do trabalho.
Entretanto, a tributação de dividendos não é neutra do ponto de vista econômico. Ao avançar sobre a renda do capital sem considerar os impactos sistêmicos sobre as decisões de investimento, a proposta pode desorganizar variáveis fundamentais da economia empresarial e gerar efeitos colaterais adversos.
O primeiro deles é o retorno, implícito, ao chamado sistema clássico de tributação, no qual a renda empresarial é tributada em dois momentos distintos: primeiro, no nível da pessoa jurídica; depois, no nível da pessoa física, sem qualquer abatimento ou crédito do imposto já recolhido.
O resultado econômico é a bitributação plena. Embora modelos semelhantes existam em países da OCDE, é importante destacar que, nesses casos, a regra costuma vir acompanhada de mecanismos compensatórios, como créditos imputáveis, deduções ou isenções parciais, que mitigam os efeitos econômicos negativos.
A ausência desses instrumentos no PL nº 1.087/2025 expõe o sistema a desequilíbrios relevantes, o primeiro deles relacionado ao encarecimento do capital próprio.
Ao tributar o lucro tanto na empresa quanto no sócio, a proposta eleva o custo marginal da distribuição de lucros, ao passo que mantém a dedutibilidade dos juros pagos em operações de crédito. O resultado é um viés pró-endividamento, que pode fragilizar a estrutura financeira das companhias e aumentar riscos sistêmicos (especialmente em setores mais sensíveis a ciclos econômicos).
Em paralelo, a tendência à retenção ineficiente de lucros se intensifica. Na ausência de integração entre as camadas de tributação, o sócio pode optar por não distribuir lucros, postergando a tributação na expectativa de mudanças legislativas futuras mais favoráveis. Essa retenção artificial reduz a eficiência alocativa do capital, desincentiva investimentos produtivos e pode comprometer o crescimento econômico no médio prazo.
Não obstante, a medida pode estimular a criação de estruturas artificiais de elisão, tais como o fatiamento societário, a pulverização de dividendos ou a utilização de holdings e offshores com fins exclusivamente fiscais.
Esse movimento, por sua vez, pressiona a capacidade de fiscalização da Receita Federal e tende a ampliar o contencioso tributário.
Embora ainda não haja manifestação oficial da Receita Federal sobre os efeitos do PL nº 1.087/2025, é plausível supor que a elevação da carga sobre dividendos leve à intensificação da fiscalização sobre estruturas artificiais e à aplicação mais rigorosa das regras de distribuição disfarçada de lucros (DDL), previstas na Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017. Esse movimento pode ampliar o risco de requalificação de operações e acentuar a insegurança jurídica no ambiente empresarial.
Outro ponto de preocupação é a uniformidade da aplicação da nova regra. A alíquota de 10% incidirá independentemente do porte ou da estrutura societária da empresa, sem distinção entre grandes grupos econômicos e pequenas sociedades familiares, como Ltdas. ou Eirelis.
Isso resulta em desequilíbrio concorrencial relevante, pois ignora que muitas dessas estruturas são utilizadas por profissionais liberais e pequenos empreendedores como forma legítima de organização econômica.
Enquanto grandes empresas podem adaptar suas estruturas ou compensar os impactos por meio de planejamentos sofisticados, os pequenos sentirão com mais intensidade o impacto sobre sua rentabilidade líquida.
O cenário se agrava quando se observa o desalinhamento internacional da proposta. Países que tributam dividendos, como os Estados Unidos, adotam faixas de alíquota conforme a renda e mecanismos de compensação.
No Brasil, o modelo proposto impõe alíquota única, descolada da tabela progressiva do IRPF e sem qualquer crédito do imposto pago na PJ, o que pode tornar o país menos atrativo a investidores estrangeiros e intensificar a fuga de capitais.
Diante de todos esses aspectos, é preciso reconhecer que a tributação de dividendos é legítima enquanto instrumento de justiça fiscal, mas sua implementação exige técnica, cautela e visão sistêmica.
O PL nº 1.087/2025, do ponto de vista técnico, falha ao desconsiderar os efeitos econômicos da bitributação e ao não propor uma arquitetura de integração entre os níveis de renda. Ignora, ainda, as desigualdades estruturais entre os modelos empresariais e os efeitos que uma regra única pode causar sobre diferentes perfis de contribuinte.
Mais do que tributar, é preciso saber como tributar.
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